Futuro Planejado
Pandemia, investimento com propósito e pós-carreira
Artigo publicado originalmente no LinkedIn, por Herbert de Souza Andrade*
A pandemia do coronavírus e o período de quarentena imposto por ela têm provocado mudanças nas pessoas. Passados cem dias de distanciamento social, tenho me questionado bastante sobre os impactos que essa temporada terá em médio e longo prazos tanto nas relações humanas quanto na forma de consumir e fazer investimentos.
No momento de chegada da pandemia, o temor da doença provocou reações de defesa. As imagens nos noticiários eram de pessoas nos mercados estocando itens como papel higiênico e macarrão. Em algumas semanas, esse medo inicial de ficar desprotegido e desabastecido foi se dissipando e fomos nos adaptando ao momento de isolamento social.
O mesmo aconteceu com os investimentos. O impacto inicial no mercado financeiro foi enorme. Com as bolsas registrando grandes perdas e outros ativos com altíssima volatilidade, as pessoas se viram em uma encruzilhada. Por um lado, a tendência natural era buscar opções mais conservadoras a fim de proteger seus ativos. Por outro lado, vivenciando a primeira grande crise no mercado local com taxas de juros tão baixas, a possibilidade de recuperação em investimentos ditos “conservadores”, tradicionalmente aplicações em renda fixa atreladas ao DI, estava distante.
Como responsável pela gestão de uma entidade fechada de previdência complementar, acompanhei uma corrida dos participantes em busca de orientações. Fomos muito assertivos na comunicação, reforçando o atendimento para esclarecer dúvidas e divulgando informações permanentemente para nossa base.
Já temos trabalhado temas de educação financeira e previdenciária há vários anos com os participantes de nossos planos. Com isso, a grande maioria das pessoas optou por manter seu perfil de investimento e a movimentação se manteve estável em relação a meses anteriores.
Perfis de Investimento
A Fundação Itaúsa Industrial oferece atualmente três perfis de investimento em seu plano de Contribuição Definida (Plano PAI-CD): conservador, moderado e agressivo. No início deste ano, pela primeira vez o perfil moderado superou o conservador em volume financeiro.
Esse movimento demonstrou uma evolução da compreensão dos participantes sobre o atual momento da economia e o efeito em sua reserva para o pós-carreira. Com juros baixos, os participantes e assistidos passaram a reavaliar o seu apetite a risco de acordo com seu momento de vida e suas condições particulares, de certa forma compreendendo que o momento que vivíamos no Brasil (taxas de juros elevadas) era a exceção e não a regra.
A ampliação do nível de informação nos dá segurança para promover um avanço. Em breve os participantes dos planos de previdência da Fundação poderão fazer a mudança de perfil totalmente de forma online – passando, é claro, por um questionário de suitability que identifica algumas características comportamentais do participante e sua tolerância ao risco. Será uma facilidade adicional em tempos de distanciamento social e restrição de deslocamentos para preenchimento de formulários e entregas de documentos.
Evoluímos muito nos últimos tempos, tanto por nosso esforço de divulgar informações sobre educação financeira quanto pelo interesse próprio dos participantes em ampliar seus conhecimentos. E a sensação de insegurança provocada pela pandemia não pode causar retrocessos. Não dá para voltar a guardar dinheiro embaixo do colchão.
Para recuperar as perdas financeiras com mais rapidez, será preciso manter a coragem e correr algum risco. Depois de despencar 29,9% em março, o Ibovespa – que reúne as ações mais negociadas na B3, subiu 10,25% em abril, 8,58% em maio e 8,76% em junho. Ainda não se recuperou do choque vivenciado com a chegada do coronavírus, mas dá sinais de que poderá seguir melhorando.
Propósito e futuro
Uma certeza é que este momento vai causar transformações nas relações pessoais e de consumo. Com isso, as empresas terão de se adequar aos novos anseios para conseguir se manter no mercado.
Setores antes emergentes acabaram sendo fortemente atingidos pela conjuntura atual. Um exemplo é o mercado imobiliário. Depois de testar com sucesso o modelo de home office, muitas companhias estão desocupando seus escritórios e adotando de forma definitiva o trabalho remoto, o que vem provocando a desocupação de lajes corporativas. Outro caso é o de setores altamente dependentes do turismo, como as empresas aéreas e de hotelaria.
Além dos impactos econômicos diretos, a pandemia vem provocando mudanças no comportamento dos consumidores, o que também afeta a valorização das empresas.
Uma pesquisa feita pela McKinsey apontou que entre as maiores preocupações dos brasileiros durante a pandemia estão fatores relacionados ao bem comum, como a estrutura da saúde pública e o cuidado e a segurança da família. O levantamento indicou ainda que novos valores estão emergindo, trazendo atitudes relacionadas à prevenção e planejamento, reconexões afetivas, consciência ao consumir e à priorização do planeta e da sociedade.
Essa busca por propósito, atitudes mais sustentáveis e o foco no futuro são promissores para a previdência privada. Afinal, a pandemia tende a transformar também a forma como as pessoas planejam a aposentadoria, ou o pós-carreira – um benefício que é símbolo do cuidado com si mesmo e dos outros.
*Herbert de Souza Andrade, diretor gerente da Fundação Itaúsa Industrial e presidente da Apep (Associação dos Fundos de Pensão e Patrocinadores do Setor Privado)