Futuro Planejado
Economia Colaborativa: um estilo de vida econômico, lucrativo e sustentável
A revista Pé-de-Meia chegou a sua nona edição com o tema “Novos estilos de vida” e falando também sobre as Olimpíadas 2016. Confira abaixo a entrevista completa com a especialista Andy de Santis sobre Economia Colaborativa.
Você não leu errado. Isso é possível. E para entender esse conceito que começa a ganhar força no Brasil é preciso uma reflexão inicial: quantas horas por semana você usa o seu carro? Qual foi a última vez que você utilizou aquela
furadeira que comprou para um serviço pontual? Já deixou de viajar porque não tinha onde deixar os cachorros e nem dinheiro para o hotel? E aquele quarto vazio no seu apartamento?
Pensou? Então saiba que existe uma solução para tudo o que está parado ou imobilizado, na linguagem econômica.
Quando se começa a refletir sobre isso várias ideias começam a surgir: ganhar um extra alugando espaços ou objetos, ajudar vizinhos e amigos, fazendo trocas, conhecer pessoas e ter histórias para contar. São apenas exemplos para
mostrar como você pode ser parte, oferecendo, consumindo e satisfazendo suas necessidades dentro da chamada Economia Colaborativa – um modelo que se baseia mais no compartilhamento, no acesso e no intercâmbio do que na própria posse
de produtos e serviços.
A especialista no assunto, Andy de Santis completa esse conceito afirmando que por trás de todo objeto comprado existe uma experiência. “Quando você compra um carro, por exemplo, na verdade você está comprando um serviço de
mobilidade, mais do que o carro em si. Desvincular o produto do serviço é a base central da ideia da Economia Colaborativa, quando você começa a pensar assim você quebra a ideia de que precisa possuir um bem para poder acessá-lo e
usá-lo. Você não precisa comprar uma barraca de camping, você pode emprestar no ‘Tem açúcar’, por exemplo”, diz ela.
Para entender melhor esse modelo econômico leia na íntegra a entrevista feita com Andy de Santis:
1) As pessoas estão preparadas para essa mentalidade, de pensar menos no dinheiro como uma saída de obter serviços e produtos e mais como um grupo de trocas?
No final do século passado e início deste, estamos vivendo a transição de uma lógica industrial para uma lógica do conhecimento e do acesso. As novidades tecnológicas e a popularização da internet ajudam nessa caminhada. A lógica
industrial considera o bem, o concreto e a posse. Já a lógica do acesso, considera a circulação, a informação, o conhecimento e a cultura, também como valor. Preparar a cabeça para isso é um processo que vai levar um tempo, mas, uma
vez iniciado, é difícil ter volta. Eu diria que aqui, esse processo está começando a ganhar força e já se destaca. Na verdade, ele acontece na prática há muito tempo nas comunidades de baixa renda, só que não embalado com esse
rótulo, com esse selo de Economia Compartilhada. Nessas comunidades, poucos têm condição de comprar bens apenas para si e os moradores fazem vaquinha para comprar um carro, por exemplo. É firmado um esquema de uso, segunda-feira é o
vizinho da direita que dirige, na terça-feira o outro vizinho da esquerda. Nós colocamos o nome Economia Colaborativa e conceituamos, mas ela já existia, as comunidades fazem muito isso.
2) Quem é o público, quem está sendo parte dessa Economia Colaborativa no Brasil, além dessas comunidades que você já citou? A atual situação econômica pode mudar esse cenário?
A comunidade mais antenada, jovem, com opinião formada caminha para uma nova tendência de consumo. A dificuldade está em setores da classe média, onde as pessoas ainda valorizam muito o símbolo de status, onde ter é mais importante do
que preservar, do que colaborar, compartilhar. Esse cidadão precisa ser mais convencido da ideia, ele é o que desconfia e, dificilmente, vai topar compartilhar, trocar sem entender as vantagens ou consequências. Mas, ao mesmo tempo,
eu vejo a Economia Colaborativa como uma tendência que pode atingi-lo e crescer com a ajuda dele. A crise econômica acaba sendo uma alavanca muito forte para essa mudança de valores, as pessoas começam a ver a Economia Colaborativa
como alternativa. Quando falo das ferramentas de compartilhamento de um carro, um quarto vago, um bem e a possibilidade de troca, do baixo custo, as pessoas se interessam. Temos um ambiente propício para que esse modelo ganhe força.
3) Qual seria o verdadeiro motor da Economia Colaborativa? A vontade de mudar o mundo com alternativas mais sustentáveis ou é mais uma necessidade individual financeira?
Acho que o bolso é uma parte bem sensível do corpo humano. Eu identifiquei na educação financeira um caminho para alcançar o fortalecimento da sustentabilidade, e deu muito certo, pois é uma janela para chegar nessas outras questões
de ideal, conservação do planeta e consumo. Sempre vou para uma ação com a intenção de trabalhar as finanças pessoais, porque é o tema, é o que as pessoas precisam agora. Mas não tem como falar disso sem comentar o impacto das
escolhas de consumo no bolso, na sociedade e no meio ambiente. Eu sempre começo falando do bolso, que é o que dói mais e o que se sente de forma mais urgente. Quando esse indivíduo começa a enxergar que, com a Economia Colaborativa,
ele não só contribui com suas finanças, mas também gera acesso para mais pessoas terem uma vida melhor e ainda contribui com o planeta, é um xeque-mate. Você pode até começar pelo viés mais da necessidade, mas aos poucos vai se
convencendo de que, de fato, essa é uma prática boa e vai além. E quando isso vira um ideal é fácil ver gente com condições de ter seu escritório, mas optando por dividi-lo com outros negócios, por exemplo. Ou pessoas com algum
objeto de pouco uso, alugando por um preço mais barato por meio de um aplicativo do celular. É um caminho que começa com um propósito, mas tem tudo para ir além.
4) Pensando na aposentadoria e em questões de planejamento e sonhos futuros, como a Economia Colaborativa contribui e faz parte desse cenário?
A Economia Colaborativa pode ajudar de diversas formas porque oferece saídas de acordo com cada propósito. Por exemplo, quando você está pensando em comprar um apartamento é preciso pensar no propósito de adquirir esse bem. Se a
compra não é para investir, gerar um aluguel e retornar em dinheiro, você pode usar ferramentas da Economia Colaborativa para curtir férias, fim de semana sem precisar acumular mais bens, mais despesas. O que acontece é que você
ganha mais alternativas para refletir se vale a pena comprar ou se faz sentido usar o dinheiro para aplicar, investir no futuro, como em uma aposentadoria ou outro investimento. Antes as opções eram menores para viajar, comprar e
agora a cultura está mudando, esse pensamento de que você tem que ter uma casa na praia, no campo, outro carro para o rodízio, será que precisa mesmo? Porque se você tem acesso às ferramentas para usufruir de bens no momento em que
você precisa deles, de forma acessível, não há necessidade da posse. Alugar o carro na locadora ou de outra pessoa no dia do rodízio, para viajar, ou alugar um apartamento no airbnb, faz com que você economize e tenha um recurso a
mais que pode ser revertido para outro plano de longo prazo.
5) No dia a dia, que práticas da Economia Colaborativa podem ser adotadas para ajudar a preservar e economizar ao mesmo tempo?
Combinar com os vizinhos, por exemplo, de fazer a feira de forma mais coletiva é algo maravilhoso. O meu caso, por exemplo, sempre compro e sobra cheiro verde, tem que jogar fora, há um desperdício. Porque tenho que comprar aquele
maço de cheiro verde só pra mim? Porque não comprar e compartilhar esse produto e cada vez um compra ou algo parecido. O benefício dessa nova forma de pensar vai para esses casos. Comprar material escolar na volta das aulas, por que
comprar sozinha e gastar mais sendo que é possível se reunir com pais da mesma escola, comprar no atacado e sair mais barato? Tem por exemplo o site do Bliive – troca de tempo por conhecimento. O que a pessoa sem emprego mais tem
disponível? Tempo. Isso é recurso, pode usar tempo para trocar por um conhecimento novo, ela ensina algo para alguém e recebe um conhecimento em troca, por conta do tempo disponível e pode aprender uma nova língua, se preparar para
recolocação no mercado. E tudo que citei, tudo isso somado, pode ajudar muito uma pessoa que está fazendo um plano financeiro de longo prazo. Ela vai economizando nos pequenos e nos grandes atos.
6) E o mundo corporativo, como lida com esse movimento que começa a ganhar força?
É uma questão de como as empresas vão se posicionar diante desse contexto. Tem casos interessantes já. Empresas que estão compartilhando unidades fabris: uma empresa que fabrica um produto similar a outra pode usar de dia aquele
espaço e máquinas e a outra empresa usa à noite. Porque no fundo o que diferencia uma da outra é posicionamento, algum ingrediente, mas o meio é o mesmo. Quanto mais as empresas puderem entender esse cenário, as tendências e levarem
os seus negócios para esse lugar em que serviços são tão ou mais importantes do que os produtos, mais perto estarão do caminho do futuro. Até no nível da corporação, a economia colaborativa pode fazer parte. São diversas
possibilidades inspiradoras. O que acontece também é que muitos consumidores estão ficando mais atentos e mudando seu olhar, eles querem saber o que estão comprando e prezam por produtos que têm um lado social e voltado para a
preservação do meio ambiente, por exemplo. A pessoa compra o que está por trás do produto, uma história, um meio bacana de se produzir, é a tal da experiência que também pode ser aplicada aqui.
Fonte: Revista Pé-de-Meia